Definições sobre política cultural devem virar munição no debate eleitoral em 2010.
ANA PAULA SOUSA
da Reportagem Local
Toda eleição eles fazem tudo sempre igual. Prometem empregos e segurança, atiram pedras no telhado do candidato rival e eximem-se de falar sobre planos para a cultura. Mas, desta vez, a estrofe pode mudar.
É que a política cultural acolhe, neste momento, uma das questões que promete ser chave na disputa presidencial: até onde deve ir a mão do Estado?
"O Estado tem de valorizar a base, e não definir que peça ou disco deve receber patrocínio. Temos de estimular os artistas e não criar camisas de força", responde o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ). "O PT adora centralizar o poder."
Já a secretária de Cultura do PT, Morgana Eneile, cantarola "Era uma casa muito engraçada" para dizer que, quando Gilberto Gil tomou posse, em 2002, o MinC (Ministério da Cultura) "não tinha teto, não tinha nada". "Nos anos do PSDB, o Estado abandonou a cultura."
Leite e Eneile, enfáticos, surgiram como porta-vozes por indicação dos partidos. Os caciques parecem estar recolhidos. Mas a fala de ambos deixa antever que, no esboço da campanha, a cultura é tratada como possível munição.
"A discussão entre Estado e mercado ganhou peso por causa dos debates sobre a Lei Rouanet. É inevitável que apareça na campanha", aposta Sergio Xavier, pré-candidato do PV ao governo de Pernambuco e ex-secretário da pasta de Gil.
Apesar de não terem definido os coordenadores dos programas culturais, os partidos parecem ter claro que, em 2010, não será possível limitar-se à lenga-lenga do "vamos fazer centros culturais na periferia".
Com leis importantes no Congresso, a cultura avançou sobre sobre política e economia e, com isso, foi cercada por diversos lobbies. "O Gil passou a tratar a cultura como questão de Estado e eixo de desenvolvimento", diz o petista Márcio Meirelles, secretário de Cultura da Bahia. "Institucionalizou-se o papel do Estado."
Cultura paternalista
A política atual começou a ser forjada no fim da ditadura. Após enterrar a Embrafilme e enfraquecer a Funarte, grandes estruturas estatais, o país descobriu o elixir das leis de incentivo, preconizadas pela Lei Sarney, de 1986. "Decidiu-se que não podíamos mais ter Estado. Saímos do modelo estatal e fomos para uma situação radicalmente oposta", diz André Sturm, quadro da secretaria de Cultura paulista. "Como qualquer extremo se esgota, o Estado começa a voltar."
O Estado sempre foi o principal financiador da cultura no Brasil, mas, com as leis de incentivo, transferiu para a iniciativa privada a decisão de onde colocar os recursos do imposto que as empresas deixam de pagar. "O que temos é investimento público com critérios privados", diz Sharon Hess, diretora da Articultura, empresa que formata projetos culturais.
A reação a esse modelo partiu dos grupos de teatro. "Não tínhamos acesso aos recursos das empresas", diz Ney Piacentini, da Cooperativa Paulista de Teatro. "Queríamos retomar a relação com o Estado, reagir à mercantilização da cultura."
Do outro lado do palco, uma ala que acabou simbolizada pelo Cirque du Soleil, defende que são, sim, as empresas que devem definir o patrocínio. O terror desse grupo são os concursos e editais públicos.
"Têm de ser desmistificadas as questões sobre o dirigismo estatal", diz Hess. "A discussão sobre os riscos de intervenção acontecem no mundo todo. Mas há inúmeras maneiras de reduzir os riscos de dirigismo e não deixar a produção à mercê de ideologias políticas."
Não é o que pensa Otávio Leite :"O PT tende a criar conselhos e beneficiar grupos e castas. Quem não faz parte desses grupos enfrenta problemas".
Em tom de duelo, Eneile diz que o PSDB entregou a administração das instituições públicas a terceiros, por meio das Organizações Sociais, e faz uma política de eventos. "Só querem fazer grandes equipamentos e eventos que criem barulho."
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