sexta-feira, 3 de junho de 2011

Curiosidades da China

China: Império sem fim

Quando a China se tornar a maior potência mundial, o país estará ocupando um lugar que já foi dele. Conheça a trajetória do Império Chinês - que, durante séculos, esteve muito à frente do Ocidente

por Rodrigo Cavalcante

clique e confira.




Em 1989, o mundo assistiu à derrocada dos governos comunistas. Hungria, Polônia, Bulgária, Checoslováquia, Romênia e Alemanha Oriental: um a um, eles foram caindo, assim como o Muro de Berlim. Em Moscou, a abertura promovida pelo líder Mikhail Gorbachev dava sinais de que a ânsia por mudanças estava escapando do controle das autoridades – o que levaria, dois anos depois, à extinção da União Soviética. Na China, porém, o desfecho de 1989 foi bem diferente.
Entre abril e junho, milhares de estudantes chineses acampados em frente à sede do governo, na praça da Paz Celestial, em Pequim, acreditaram que a onda de liberdade também chegaria ao país. A esperança foi enterrada na virada de 3 para 4 de junho, quando o exército “dispersou” os estudantes com seus tanques. Até hoje, ninguém sabe quantos morreram no massacre da praça da Paz Celestial (as estimativas oscilam entre 300 e 7 mil vítimas). Dezoito anos depois, é perturbador constatar que o governo chinês tenha alcançado sua meta: manteve a unidade da China e levou o país a um ritmo de crescimento tão espetacular que boa parte do mundo prefere esquecer a carnificina e pegar carona na pujança chinesa.
Mas como explicar, afinal, que mais de 1 bilhão de habitantes tenham sido controlados com tamanha facilidade após o exército atirar a sangue frio em estudantes? O que permite à China desafiar a lógica do Ocidente, aliando a repressão das liberdades individuais a uma economia de mercado agressiva? É provável que ao menos parte da resposta esteja no passado imperial do país. “Os chineses sempre tiveram a consciência de que foram o centro do mundo e de que apenas um poder unificado seria capaz de impedir a desintegração de seu gigantesco território”, diz o pesquisador Severino Cabral, fundador do Instituto Brasileiro de Estudos da China, Ásia e Pacífico (Ibecap) e membro permanente da Escola Superior de Guerra.
Hoje, os historiadores sabem que a unidade desse império já estava consolidada desde o século 3 a.C., quando a China se tornou uma potência sem concorrentes. A revelação foi confirmada por um dos mais importantes achados arqueológicos do século 20, feito por acaso nos arredores da cidade de Xiang, na China central, há pouco mais de 30 anos.

O primeiro imperador
Eles literalmente emergiram da terra. Ao escavar um poço nas cercanias de uma muralha, em 1974, um grupo de moradores da cidade de Xiang encontrou cabeças de estátuas. Em seguida, surgiram mais cabeças, troncos e membros, até arqueólogos concluírem que ali havia um exército com mais de 7 mil soldados de terracota em tamanho natural, ao lado de cavalos do mesmo material e armas de bronze. Pesquisadores concluíram que eles foram enterrados em nome do primeiro imperador da China, Shi Huangdi, da dinastia Qin (que durou de 221 a 210 a.C.). “Ele centralizou e fundou a base do que hoje chamamos de China”, afirmou Harry Gelber, professor de Relações Internacionais da Universidade de Boston e autor de diversos livros sobre a China, em entrevista publicada na edição de setembro da revista inglesa BBC History.
Para unificar a China, o imperador precisou controlar o poder dos governantes locais. Ele dividiu o Estado em 36 capitanias, cada uma liderada por um governante civil e com um comandante militar (havia também um inspetor imperial para fiscalizar o trabalho do governador). A escrita foi padronizada, assim como pesos, medidas e moedas. Mais de 6 mil quilômetros de estradas foram construídos – tanto quanto no Império Romano – e canais foram abertos para permitir a navegação pelos rios. Em matéria de inovação artística, a descoberta dos guerreiros de Xiang revelou uma sofisticação inimaginável para os padrões da época. “Até meados do século 20, historiadores da arte sequer acreditavam que existissem esculturas na China durante esse período”, escreveu o historiador americano John King Fairbank em seu clássico China – Uma Nova História.
Entretanto, de acordo com os historiadores, não foi apenas a centralização política a responsável pela unificação da China. O “cimento” da cultura chinesa seria reforçado por uma série de tradições filosóficas – sendo uma das mais importantes a do pensador chinês Kung Futsu, conhecido no Ocidente como Confúcio.

Hierarquia divina
Não há como entender a unificação da China sem o confucionismo. “Seria o mesmo que estudar o Ocidente sem levar em conta o papel do cristianismo”, compara o professor Harry Gelber. Mas, diferentemente do cristianismo, o confucionismo não é propriamente uma religião. Está mais para uma grande visão de mundo que inclui ética, ideologia política, orientações para o relacionamento familiar e outros princípios baseados nos ensinamentos de Confúcio, que viveu entre 551 e 479 a.C.
Confúcio se considerava um mensageiro de velhas tradições, resgatando as raízes de rituais que deviam ser seguidos por cidadãos e governantes. Na base do código confucionista está o respeito a uma hierarquia cósmica em que cada pessoa tem seu lugar e deve venerar quem lhe é superior e cuidar de quem lhe é inferior. “Os pais eram superiores aos filhos, os homens às mulheres, os reis aos súditos”, escreveu Fairbank. “Se todos cumprissem seu papel, a ordem social se conservaria.”
Para o imperador, é claro, o confucionismo assegurava a legitimidade de seu governo, baseado na idéia de mandato divino. Isso não significa, entretanto, que esse mandato não pudesse ser ameaçado. Caso o governante não aparentasse seguir corretamente o código moral confucionista, seu império poderia ser tragado pelo caos gerado por desequilíbrios cósmicos – o que fazia com que uma enchente, por exemplo, pudesse ser vista como uma prova de que o imperador, digamos assim, havia quebrado o decoro divino.
Desejando evitar esse tipo de dúvida, os imperadores se apropriaram do código confucionista e o levaram para dentro do Estado, fazendo com que as leis e o treinamento dos funcionários do Estado fossem inspirados nesses preceitos. Com o fim da dinastia Qin, esse sistema foi usado por seus sucessores. A começar pela dinastia Han (vigente entre 206 a.C. e 220 d.C.), eles preservaram a unidade da China e expandiram seu poder nos séculos seguintes.
Apesar de a dinastia Han ter tentado manter o controle sobre a venda de mercadorias, comerciantes enriqueceram com a exportação dos primeiros artigos chineses a ganhar fama mundial (veja o quadro abaixo). A rede de caminhos por onde esses produtos viajavam até a Europa seria conhecida mais tarde como a Rota da Seda, primeiro elo comercial entre a China e o Ocidente. Por ela passaram não apenas mercadores, mas novas idéias e religiões, como o budismo, que veio da Índia para, a partir do século 5, se somar ao confucionismo nos fundamentos do pensamento chinês.

Fonte: Edição 51 - Revista Aventuras na História

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